O dever de fidelidade conjugal
A discussão dos direitos dos amantes não traduz frouxidão dos valores morais, até porque se há crise de valores são por motivos como falta de modelo ético, por exemplo, e não por causa da infidelidade em si.
Maria Berenice Dias sobre o dever de fidelidade conjugal:
Se a fidelidade não é um direito exequível e a infidelidade não mais serve como fundamento para a separação, nada justifica a permanência da previsão legislativa, como um dever legal, até porque ninguém é fiel porque assim determina a lei, ou deixará de sê-lo por falta de uma ordem legal. Não é a imposição legal de normas de conduta que consolida ou estrutura o vínculo conjugal, mas simplesmente a sinceridade de sentimentos e a consciência dos papéis desempenhados pelos seus membros (..)
(…) Talvez esteja na hora de se abandonar a expressão “cônjuge”, que tem origem na palavra jugum, nome dado pelos romanos à canga que prendia as bestas à carruagem, daí o verbo conjugere designar a união de duas pessoas sob o mesmo jugo, a mesma canga. Talvez seja o caso de se resgatar a palavra “amante”, que significa tanto a pessoa que ama como quem é o objeto do amor de alguém, expressão que melhor identifica a razão de as pessoas ficarem juntas, ou seja, porque se amam., link.
Caso exemplificativo
O cidadão, casado na cidade do Florianópolis, viaja com frequência a São Paulo, por razão profissional. Lá, conhece uma mulher e não conta o fato de ser casado, após algum tempo de relação, passam a conviver com ela, de forma pública e constante, todas as vezes que está em São Paulo.
Quero saber mais sobre meus direitos
Quais são os direitos do Amante?
Na união estável, não é exigido coabitação, prole ou período mínimo, nos termos do artigo 1723, do Código Civil.
No § 1ºdo artigo acima e no artigo 1727 do Código Civil, diz que a união estável não se constituirá se as duas pessoas forem casadas, pois nesse caso seria concubinato.
No julgamento da apelação pelo o Tribunal de Justiça do Ceara:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. SIMULTANEIDADE DO CASAMENTO COM RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SEPARAÇÃO DE FATO. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.723, § 1º, CC/02(APL: 00017455520078060154)
Por isso, como no caso exemplificativo não há qualquer impedimento, a pergunta que fica é o direito deve tutelar essa questão ou o companheiro inocente deve ficar a ver navios?
Tutela do direito em relação ao concubinato
Como disse, pela redação do artigo 1727 do Código Civil, é previsto o impedimento para união oficial de ambos.
Entretanto, mesmo que as duas partes saibam, mas motivada pela adrenalina ou simplesmente pela química existente, continuem essa relação.
Fica a pergunta, se não deve existir a tutela do direito?
isto porque às vezes dessa relação fugaz se transforma numa relação com raízes de convivência e com um vínculo tão forte.
E o E. STJ já decidiu essa questão do concubinato, em relação ao dever de indenizar a parte que prestou serviços domésticos ao companheiro, onde se constituiria uma sociedade de fato, link.
E também no julgamento sobre o abandono de ex-amante, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que a mulher deveria ser indenizada por ter investido dinheiro na relação, onde durante 12 anos, a concubina dividiu o parceiro com a sua mulher oficial. Separado da mulher, o parceiro passou a ter com a ex-concubina uma relação estável, link.
Como vimos, houve a tutela do Direito Obrigacional, e no Direito de Família seria possível ocorrer essa tutela?
O Professor Pablo Stolze entende que:
Tempo, afeto e aparência de união estável – admitindo-se óbvia mitigação do aspecto de publicidade – são características que, em nosso sentir, embora não absolutas de per si, devem conduzir o interprete a aceitar, excepcionalmente, a aplicação das regras do Direito de família, a exemplo de pensão alimentícia ou de regime de bens.[1]
Em relação ao regime de bens, entende-se que deve abranger somente o patrimônio adquirido na constância da relação, devendo ser provado, bem como não existir uma presunção de que todo patrimônio foi adquirido conjuntamente.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, no REsp 674.176, sobre o direito do amante no que tange a pensão por morte e rateio:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE VIÚVA E CONCUBINA. SIMULTANEIDADE DE RELAÇÃO MARITAL. UNIÃO ESTÁVEL NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE.
(…) a exigência para o reconhecimento da união estável é que ambos, o segurado e a companheira, sejam solteiros, separados de fato ou judicialmente, ou viúvos, que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto, excluindo-se, assim, para fins de reconhecimento de união estável, as situações de concomitância, é dizer, de simultaneidade de relação marital.
2. É firme o constructo jurisprudencial na afirmação de que se reconhece à companheira de homem casado, mas separado de fato ou de direito, divorciado ou viúvo, o direito na participação nos benefícios previdenciários e patrimoniais decorrentes de seu falecimento, concorrendo com a esposa, ou até mesmo excluindo-a da participação, hipótese que não ocorre na espécie, de sorte que a distinção entre concubinato e união estável hoje não oferece mais dúvida. (..)
Ainda sobre pensão por morte, em sentido diverso:
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL, E PREVIDENCIÁRIO. DIVISÃO DE PENSÃO POR MORTE ENTRE VIUVA E COMPANHEIRA. COMPROVAÇÃO DE COABITAÇÃO EM REGIME MARITAL E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 226, § 3º, DA CF, 1.723, DO CÓDIGO CIVIL E 27, § 2º, DA LC Nº 28/00. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. DECISÃO POR MAIORIA DE VOTOS.
(TJPE – AP/RN: 00050750420028170001, Relator: JOSÉ IVO DE PAULA GUIMARÃES, Data de Publicação: 17/12/2015)
Em recente decisão da 3ª Turma do STJ, entendeu-se que é devido a pensão alimentícia à concubina que conviveu por 40 anos com o companheiro, link.
STF nega a pensão por morte
O Supremo Tribunal Federal – STF, no tema 529, nega o reconhecimento de uniões estáveis concomitantes para fins previdenciários:
A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, §1° do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
Portanto, os casos semelhantes ao que foi julgado pelo STF será aplicado o entendimento citado acima e será negada a pensão por morte.
Desdobramentos Jurídicos dos Relacionamentos
O debate sobre o direito do amantes versus o direito do cônjuge suscita reflexões profundas sobre a natureza dos vínculos afetivos e as implicações legais dessas relações. Embora as mudanças nos valores morais tenham influenciado as discussões sobre fidelidade e monogamia, a legislação ainda está em processo de adaptação para lidar com essas questões de forma adequada.
Diante das complexidades envolvidas nos relacionamentos extraconjugais e conjugais, tanto no âmbito do Direito de Família quanto no Direito Previdenciário, é essencial que haja uma análise cuidadosa de cada caso. A jurisprudência apresenta divergências, e os direitos dos amantes muitas vezes dependem de interpretações específicas das leis vigentes.
Nesse contexto, a busca por orientação jurídica especializada se torna fundamental para garantir a proteção dos interesses de todas as partes envolvidas. Somente através de um entendimento claro das leis e das jurisprudências é possível assegurar uma abordagem justa e equilibrada dos direitos dos amantes dentro do sistema jurídico.
No escritório Varella Advocacia, oferecemos uma consultoria completa para esclarecer suas dúvidas e desenvolver a melhor estratégia para a sua situação. Entre em contato conosco para uma avaliação criteriosa dos seus direitos.
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Ian Varella
É o sócio fundador do escritório Varella Advocacia, especialista na matéria previdenciária e inscrito na OAB-SP com o número 374.459.
Com vasta experiência na área, ele possui especializações em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho, Advocacia Empresarial Previdenciária e Previdência Privada e em Gestão jurídica.