A legislação brasileira passou por diversas mudanças ao longo dos anos, impactando diretamente categorias profissionais que, por natureza, desempenham suas funções sob condições nocivas à saúde.
Entre essas categorias, destaca-se a dos aeronautas, cuja responsabilidade na segurança de voos e passageiros envolve exposição constante a agentes perigosos, como a pressão atmosférica anormal.
A Lei nº 13.475, de 28 de agosto de 2017, regula o exercício da profissão de tripulante de aeronave, denominada aeronauta.
Ela define as funções de pilotos, copilotos, mecânicos de voo e comissários de bordo, estabelecendo regras claras sobre seus direitos, condições de trabalho, e responsabilidades a bordo.
A lei aborda diversos aspectos, incluindo as funções específicas de cada tripulante, limites de horas de voo e jornada de trabalho, períodos de repouso, direitos de folga e férias, remuneração, e condições de segurança.
Este texto aborda as nuances legais e jurisprudenciais relacionadas ao reconhecimento da especialidade da atividade do aeronauta, especialmente após as alterações trazidas pela Lei 9.032/1995.
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Novas Regras de Aposentadoria Especial com a Reforma da Previdência
A aposentadoria especial é um benefício previdenciário concedido aos trabalhadores que desempenham suas atividades em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física.
Essa modalidade de aposentadoria permite que o segurado se aposente com um tempo de contribuição reduzido..
A Emenda Constitucional nº 103/2019, também conhecida como Reforma da Previdência, trouxe mudanças significativas nas regras da aposentadoria especial. As principais alterações incluem:
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Exigência de Idade Mínima: Agora, além do tempo de contribuição, é necessário que o segurado atinja uma idade mínima para ter direito à aposentadoria especial:
- 55 anos para atividades que exigem 15 anos de contribuição.
- 58 anos para atividades que exigem 20 anos de contribuição.
- 60 anos para atividades que exigem 25 anos de contribuição.
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Regra de Transição: Para os segurados que estavam próximos de se aposentar quando a reforma entrou em vigor, foi instituída uma regra de transição. Essa regra estabelece a soma da idade com o tempo de contribuição, variando de acordo com o tempo de exposição:
- 66 pontos com 15 anos de efetiva exposição.
- 76 pontos com 20 anos de efetiva exposição.
- 86 pontos com 25 anos de efetiva exposição .
Quem exerce a profissão de Aeronauta?
A Lei 13.475/2017 regula a profissão de aeronauta, garantindo direitos essenciais como limites de jornada, gerenciamento de fadiga, folgas e assistência médica.
Os Pilotos, copilotos, mecânicos de voo e comissários são protegidos por uma legislação moderna que assegura a segurança e o bem-estar de todos a bordo.
No setor de aviação, a profissão de aeronauta abrange uma série de cargos com responsabilidades específicas e elevadas exigências técnicas e são peças-chave para a segurança e operação eficiente dos voos, desempenhando suas funções em um ambiente que, muitas vezes, expõe sua saúde e integridade física a riscos consideráveis.
Para fins legais, são considerados aeronautas:
- Piloto;
- Copiloto (Primeiro Oficial);
- Comissário de Bordo;
- Mecânico de Voo (Engenheiro de Voo);
- Despachante Operacional de Voo (DOV);
- Instrutor de Voo.
Como veremos, ao longo do texto, a exposição contínua a condições adversas, como mudanças bruscas de pressão e longas jornadas de trabalho, somadas à responsabilidade pela vida de centenas de pessoas a cada voo, legitima o direito dos aeronautas à aposentadoria especial.
Direitos dos Aeronautas na Lei nº 13.475/2017
A Lei nº 13.475/2017, que regula a profissão de aeronauta, trouxe uma série de garantias importantes para os profissionais que atuam na aviação civil, como pilotos, copilotos, comissários de bordo e mecânicos de voo.
Aqui estão alguns dos principais direitos garantidos pela lei:
1. Jornada de Trabalho e Limites de Horas de Voo: A jornada de trabalho é contabilizada desde o momento da apresentação do tripulante até o término de suas atividades. Os limites de horas de voo variam de acordo com o tipo de aeronave, sendo 80 horas mensais para aviões a jato e até 100 horas para aviões convencionais. Esses limites são estabelecidos para garantir que o tripulante tenha um tempo adequado de descanso entre os voos.
2. Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana: A lei introduz o conceito de Sistema de Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana, permitindo que as escalas de trabalho sejam adaptadas para mitigar o risco de fadiga. Isso é fundamental para garantir a segurança das operações aéreas e o bem-estar físico e mental dos tripulantes.
3. Escalas de Serviço e Folgas: As escalas de serviço devem ser divulgadas com antecedência mínima de cinco dias, respeitando o rodízio de tripulantes e assegurando folgas adequadas. Além disso, as empresas estão autorizadas a ajustar essas escalas em períodos excepcionais, como voos internacionais ou missões humanitárias.
4. Assistência Médica: A lei garante assistência médica para os tripulantes em casos de urgência, especialmente quando estiverem fora de sua base contratual. Além disso, é dever do empregador fornecer o transporte necessário em situações de emergência.
6. Certificados e Habilitações: É responsabilidade do empregador custear os certificados médicos e de habilitação técnica dos tripulantes. Isso inclui o controle das datas de validade desses documentos e a programação de exames para renovação.
7. Transferências e Auxílio: Em casos de transferências provisórias ou permanentes, os tripulantes têm direito a auxílio financeiro para cobrir os custos de instalação, transporte aéreo e a translação de bagagem, além de uma dispensa de atividades de até 8 dias.
Esses direitos são fundamentais para proteger os aeronautas no desempenho de suas funções, garantindo que eles possam operar em condições seguras e com a devida remuneração e proteção jurídica.
Então, sabemos que são os aeronautas e quais são os direitos garantidos a esses profissionais, vejamos agora sobre o reconhecimento do tempo especial para fins de aposentadoria no INSS ou no Regime Próprio dos servidores públicos.
Categoria profissional
A legislação brasileira reconhecia a atividade especial para determinadas atividades profissionais ou para trabalhadores pertencentes a certas categorias profissionais, sem a necessidade de comprovação específica de exposição a agentes nocivos. O simples fato de integrar uma categoria profissional – como a dos aeronautas – conferia ao trabalhador o direito à aposentadoria especial.
O artigo 148 da Lei 8.213/1991 foi um dos dispositivos que assegurava esse direito, ao estabelecer que certas categorias, incluindo a dos aeronautas, tinham direito à aposentadoria especial sem a necessidade de comprovação adicional de exposição a condições insalubres ou perigosas.
Contudo, com a revogação desse artigo pela Lei 9.032/1995, o legislador passou a exigir que o segurado comprovasse a exposição a agentes nocivos, através de documentos específicos, como laudos técnicos ou formulários embasados em perícia técnica.
Apesar dessa mudança, a jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de enquadramento de atividades como a dos aeronautas como especiais, mesmo após a revogação do artigo 148, sem que apresente o PPP para o período anterior a 29/04/1995.
Exposição aos agentes nocivos
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) conforme exemplificado nas decisões que reconhecem o direito à aposentadoria especial dos aeronautas mesmo após 1995, desde que comprovada a exposição a condições prejudiciais à saúde.
A aposentadoria especial é garantida aos trabalhadores expostos a agentes nocivos, que podem ser classificados em três categorias:
- Agentes Físicos: Ruído, calor, frio, pressão atmosférica, radiações, etc.
- Agentes Químicos: Exposição a substâncias perigosas como amianto, benzeno, entre outros.
- Agentes Biológicos: Contato com micro-organismos e parasitas.
A exposição a esses agentes deve ser contínua e habitual, não podendo ser eventual ou intermitente.
Revisão da aposentadoria
A revisão da aposentadoria é um direito do segurado que visa corrigir possíveis erros no cálculo do benefício ou no reconhecimento do tempo de serviço especial.
No caso dos aeronautas, essa revisão pode ser relevante, pois com a revogação do artigo 148 da Lei 8.213/1991 pela Lei 9.032/1995, muitos aeronautas que tiveram suas aposentadorias concedidas sem o reconhecimento do tempo especial podem buscar a revisão para garantir que seus períodos de trabalho sob condições nocivas sejam corretamente reconhecidos e convertidos ou para que seja concedida a aposentadoria especial.
A transformação de uma aposentadoria comum em uma aposentadoria especial pode resultar em um aumento significativo no valor do benefício.
Isso ocorre porque, na aposentadoria especial, não se aplica o fator previdenciário, que é um redutor utilizado para calcular a aposentadoria comum.
Assim, o segurado tem direito a receber o valor integral de seu benefício, refletindo diretamente em uma vantagem financeira considerável.
É importante que o segurado reúna toda a documentação necessária, incluindo laudos técnicos, formulários de comprovação de exposição a agentes nocivos e outras provas periciais que sustentem a natureza especial de sua atividade e procure o auxílio jurídico de um advogado especialista em direito previdenciário.
Além disso, é essencial estar atento aos prazos legais para solicitar a revisão, uma vez que o direito à revisão pode decair. Em geral, o prazo para pedir a revisão é de dez anos a partir do primeiro pagamento do benefício, conforme a Lei 9.784/1999.
Exemplo de uma revisão de aposentadoria especial do aeronauta
Um trabalhador ajuizou uma ação ordinária que pedia a conversão da aposentadoria normal em especial para profissional aeronauta que trabalhou em condições de pressão atmosférica anormal durante vários anos.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) reconheceu que o aeronauta esteve exposto a agente nocivo durante 16 anos, nove meses e 28 dias e, devido a isso, atendia aos critérios para a concessão do benefício requerido, mesmo após 1995.
Contra essa decisão, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorreu ao STJ, alegando que não é possível esse reconhecimento, uma vez que a pressão atmosférica anormal não justificaria a especialidade do período.
Para o relator da turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, as mudanças legislativas não impedem que o aeronauta solicite o benefício, pois o artigo 57 da Lei 8.213/1991 assegura expressamente o direito à aposentadoria especial para o segurado que exerça suas atividades em condições que coloquem em risco sua saúde ou integridade física.
O relator citou o REsp 1.306.113, onde a Primeira Seção do STJ fixou a orientação de que:
“apesar da supressão do agente eletricidade pelo Decreto 2.172/1997, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso, desde que comprovada a exposição permanente, não ocasional, nem intermitente.”
Concluindo, o ministro entendeu que não há como acolher o pedido do INSS, uma vez que o TRF4 reconheceu a comprovação da exposição do trabalhador a atividades nocivas, devendo ser caracterizada a atividade do aeronauta como especial, mesmo após 1995.
Desse modo, o trabalhador teve direito à revisão de aposentadoria e transformou na regra mais vantajosa (aposentadoria especial) com o direito ao recebimento de atrasados.
Comprovação da exposição aos agentes nocivos
A comprovação da atividade especial é feita principalmente através de documentos específicos, como:
- Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP): Registra a exposição aos agentes nocivos ao longo da vida laboral do segurado.
- Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT): Documento técnico que comprova as condições insalubres do ambiente de trabalho.
- Perícia Judicial: Quando os documentos não são suficientes, uma perícia pode ser solicitada para comprovar a exposição aos agentes nocivos .
Então, na falta do PPP e/ou do LTCAT, o trabalhador pode comprovar sua atividade especial por outros meios mesmo que não se tenha um laudo contemporâneo.
A Turma Nacional de Uniformização dos JEFs, na súmula 68, reconhecem que o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado.
Esses mecanismos de comprovação asseguram que os direitos dos trabalhadores expostos a condições insalubres sejam devidamente reconhecidos e protegidos, mesmo em situações onde as condições originais de trabalho já não podem ser verificadas diretamente.
Da prova pericial por similaridade
É importante destacar que a desconfiguração do meio ambiente de trabalho ou das condições originais de trabalho na empresa onde o aeronauta era empregado não impedem a realização da prova pericial.
Nesses casos, a perícia pode ser conduzida em uma empresa do mesmo ramo de atividade, com condições de trabalho similares, para verificar se as atividades realizadas eram prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador.
Wladimir Novaes Martinez ( in Aposentadoria especial, LTR, São Paulo, 2ª ed., 1999, p. 54), assim leciona acerca do tema comprovação por similaridade:
Quando não mais existirem sinais do estabelecimento, se muitos anos passaram-se, se ele sofreu alterações, com novas instalações e modificações do meio ambiente, ou se a própria empresa materialmente desapareceu, somente restará ao segurado a prova por similaridade . (…) Entende-se por similaridade os peritos localizarem estabelecimento igual ou assemelhado, onde feita a inspeção, variando as conclusões alternativamente em conformidade com a identidade ou não dos cenários. Continua o doutrinador ensinando que a prova indireta entende-se quando inexistente ambiente similar ou análogo, socorrendo-se o perito de raciocínios indiciários, tabelas preexistentes, experiências históricas, balanços de ocorrências, repetições de acontecimentos, requerimentos de auxílio-doença, casos semelhantes, situações parecidas ou iguais.
Aposentadoria especial do Aeronauta
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, além de reafirmar o entendimento do tribunal de origem, ressaltou a importância do profissional aeronauta, o qual “assume responsabilidades superiores àquelas do trabalhador comum, pois é o indivíduo principal na segurança dos voos e dos passageiros”.
O ministro ressaltou que a Lei 8.213/1991 estabeleceu, no seu artigo 148, que a aposentadoria do aeronauta seria regida por legislação específica até que fosse revista pelo Congresso Nacional.
Contudo, com a revogação desse dispositivo, que especificava a aposentadoria especial para determinadas categorias, tornou-se necessário provar a sujeição aos agentes nocivos, por meio de qualquer documento, para solicitar a aposentadoria especial. A partir de 1998, explicou o relator, passou a ser exigido formulário embasado em laudo técnico ou perícia técnica.
Caso você tenha dúvidas sobre a aposentadoria especial ou queira mais informações sobre como proceder com a revisão do seu benefício, a Varella Advocacia está à disposição para ajudar. Somos especialistas em Direito Previdenciário e estamos comprometidos em buscar o melhor benefício para nossos clientes.
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Ian Varella
É o sócio fundador do escritório Varella Advocacia, especialista na matéria previdenciária e inscrito na OAB-SP com o número 374.459.
Com vasta experiência na área, ele possui especializações em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho, Advocacia Empresarial Previdenciária e Previdência Privada e em Gestão jurídica.