Como assegurar o melhor benefício previdenciário para o trabalhador rural?
Historicamente, o trabalho rural tem uma imagem discriminatória perante a sociedade e pela legislação trabalhista e previdenciária.
Por exemplo, antigamente, o trabalhador rural poderia pleitear a aposentadoria apenas aos 65 anos de idade, recebendo uma prestação mensal equivalente e 50% do salário-mínimo de maior valor do país[1].
Na mesma época, o trabalhador urbano tinha acesso à aposentadoria por idade, proporcional, por tempo de contribuição, especial e o salário de aposentadoria, em regra, representaria a vida laboral.
Para reequilibrar essa diferenciação, a Constituição Federal de 1988 traz o Princípio da igualdade, que estabelecia a uniformidade e equivalência na análise de benefícios para os trabalhadores rurais e urbanos.
Ainda assim, há algumas regras de aposentadoria que propõe diferenciações específicas a fim de trazer compensações para determinadas condições laborais em relação aos trabalhadores rurais.
Abordaremos as leis e critérios que envolvem o trabalho rural na análise previdenciária para fins de aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição.
Como contabilizar o tempo de Trabalho Rural
A contabilização do tempo de trabalho rural é possível desde que o segurado ou servidor público comprovem documentalmente o exercício da atividade rural.
Para fins de Previdência Social, por Trabalho Rural é compreendido:
Como o exercício profissional em atividades rurais relacionadas com a agropecuária, extrativista vegetal e pesca artesanal[2].
A norma regulamentadora do trabalho rural – Lei 5.889/1973 – dispõe, em seu artigo 2º, que empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
E, que empregador rural é a pessoa física ou jurídica que explore atividade agro econômica, nos termos do artigo 3º da Lei 5.889/1973.
Assim, o cidadão que tiver um histórico laboral integralmente rural tem o direito à aposentadoria como qualquer outro trabalhador desde que comprove documentalmente e com testemunhas o exercício do tempo rural, nos termos do artigo 55, §3º da Lei 8.213/1991:
A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento[3].
As leis que orientam a análise previdenciária nesse caso são a Constituição Federal de 1988, Lei 8.213/1991 e o Decreto 3.048/1999.
De maneira simplificada, tais leis preveem a concessão da aposentadoria do trabalhador ou o reconhecimento do tempo rural mediante análise de:
- Documentos contemporâneos a época do tempo rural.
- Categoria de segurado: contribuinte individual, segurado especial ou empregado rural.
Quero saber mais sobre meus direitos
Tempo de trabalho na infância
É possível o cômputo de período de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213 /91, sem a fixação de requisito etário.
O Superior Tribunal de Justiça reconhece esse direito ao dispor que:
Não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção.[4]
Portanto, se você trabalhou na infância e na adolescência na roça poderá requerer o reconhecimento do tempo em sua aposentadoria.
Quer saber mais leia o artigo: É possível reconhecer o tempo de trabalho exercido na infância!
Súmula 24 da TNU: Como computar o Trabalho Rural
Em muitos casos, o trabalhador exerceu a atividade rural na infância e na adolescência e a atividade urbana até completar os requisitos da aposentadoria por tempo de contribuição.
Nesse caso, será que o segurado poderá contabilizar o tempo rural com o tempo urbano para fins de aposentadoria?
A Súmula 24 da TNU prevê condições específicas para o tempo de trabalho rural exercido antes de 1991 e a não contabilização como carência:
O tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser considerado para a concessão de benefício previdenciário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), exceto para efeito de carência, conforme a regra do art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91.
Isso significa que o tempo de serviço exercido na roça até 1991 pode ser contabilizado rural independe do recolhimento de contribuições previdenciárias, uma vez que é muito comum que tais trabalhadores não realizem as contribuições em face de serem segurados especiais.
Apesar do segurado especial não realizar o recolhimento previdenciário, esses trabalhadores recolhem sobre a comercialização da produção agropecuária ou pesqueira.
E, para não privar os trabalhadores de seus direitos assegurados por lei, a Súmula observa o que já dispõe o artigo 195, §8º da Constituição Federal e abre a possibilidade de computar o tempo de trabalho rural mesmo sem as contribuições realizadas e serem somadas ao tempo urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade hibrida ou aposentadoria por tempo de contribuição.
Não conta como carência
Além da Súmula 24, temos também a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, que determina que:
O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
Na prática, isso significa que o período de trabalho rural realizado até 1991 pode ser contabilizado como tempo de contribuição sem o recolhimento das contribuições e que não será contabilizado como carência.
Já o período após 1991, o segurado que tenha trabalhado na roça deve comprovar o recolhimento das contribuições sociais para que seja contado como tempo de contribuição e como carência.
Servidor público pode utilizar tempo rural
Em nossa Constituição é assegurado a contagem recíproca de tempo de contribuição exercido na roça, onde o trabalhador pode averbar no regime próprio o tempo rural:
Art. 201, § 9º da Constituição com redação dada pela EC 20/1998:
Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
Caso você tenha trabalhado na roça e atualmente, seja servidor público, para levar esse tempo rural deverá recolher a contribuição social, nos termos do tema 609 do Superior Tribunal de Justiça:
O segurado que tenha provado o desempenho de serviço rurícola em período anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991, embora faça jus à expedição de certidão nesse sentido para mera averbação nos seus assentamentos, somente tem direito ao cômputo do aludido tempo rural, no respectivo órgão público empregador, para contagem recíproca no regime estatutário se, com a certidão de tempo de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento das respectivas contribuições previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o dispositivo do art. 96, IV, da Lei n. 8.213/1991.
Análise jurídica sobre o direito à aposentadoria com tempo rural
Dessa forma, a análise do tempo de trabalho rural para fins previdenciários deve sempre ser orientado pelas determinações da Súmula 24, da Lei nº 8.213/91 e do Decreto 3.048/1999.
Onde, o advogado analisará sua trajetória laboral com base nos documentos apresentados, se há testemunhas que comprovam o tempo rural e se há outras hipóteses que possam aumentar o valor da aposentadoria ou antecipar a data de concessão do benefício de aposentadoria.
Após essa análise jurídica sobre o direito previdenciário, o advogado identificará os tipos de aposentadoria que podem ser pleiteadas no INSS ou por meio de uma ação judicial.
Claro que cada regra de aposentadoria prevê requisitos diferenciados, regras de cálculos diferenciados e uma pode ser mais benéfica do que a outra, portanto, vamos tratar especificamente a seguir.
As modalidades de aposentadoria possíveis e que podem ser solicitadas pelos segurados que tenham tempo rural são:
Aposentadoria rural
A regra geral de aposentadoria rural determina que o trabalhador deve comprovar 60 anos de idade, se homem e 55 anos de idade, se mulher e 180 meses de carência referente ao tempo rural.
A carência, por sua vez, é o período mínimo de contribuição em que o segurado deve completar para requerer o benefício previdenciário de aposentadoria por idade reduzida.
Para fazer jus à aposentadoria rural com idade reduzida, o segurado deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido.
Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça julgou o tema 642 sobre à atividade rural e a comprovação no período imediatamente anterior ao requerimento:
O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.[5]
Então, para fazer jus a redução, você deve comprovar que ainda continua trabalhando no campo no momento do requerimento do benefício de aposentadoria.
Aposentadoria por idade hibrida
O segurado que tenha trabalhado no campo e na cidade poderá contabilizar o tempo de ambos os contextos na aposentadoria por idade chamada de híbrida, nos termos do artigo 48, §3º da Lei 8.213/1991:
Os trabalhadores rurais que não atendam ao requisito da aposentadoria rural, mas que satisfaçam a condição da aposentadoria por idade, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.[6]
O Superior Tribunal de Justiça firmou um entendimento que pode afetar os segurados especiais – trabalhadores rurais – conforme o tema 1007:
O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo[7].
Aposentadoria Especial
O trabalhador rural pode fazer jus a aposentadoria especial mesmo se tenha trabalhado após 24 de julho de 1991 desde que recolha como segurado facultativo, nos termos do artigo 39, inciso II da Lei 8.213/1991 e artigo 21 da Lei 8.212/1991.
Ainda há possibilidade de buscar o reconhecimento do tempo rural como especial exercido até o advento da Lei 8.213/1991, caso o trabalhador estivesse exposto aos agentes nocivos à saúde ou integridade física: biológicos, físicos, químicos, periculosidade e penosidade.
Existem decisões do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que reconhecem a atividade desenvolvida em lavoura canavieira em razão da exposição aos produtos químicos, como herbicidas.[8]
Em regra, o trabalhador deverá comprovar a exposição através da apresentação do PPP e, na falta deste, o LTCAT, prova pericial e outros meios de provas que são aceitos pelo INSS, CRPS ou Poder Judiciário.
E, há uma exceção que teve vigência até 28/04/1995, onde o segurado poderia requerer o reconhecimento do tempo especial através da categoria profissional que fazia parte, como, por exemplo, a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
A atividade do trabalhador rural na cultura de cana-de-açúcar encontra enquadramento no código 1.2.11 do Decreto nº 53.831 /64.
(…)
Reconhecidas as atividades especiais, deve o INSS proceder ao recálculo da renda mensal inicial (RMI) do benefício da parte autora. [9]
Portanto, até 24/06/1991 pode contabilizar sem realizar a contribuição e após essa data, caso queira contabilizar o tempo rural o trabalhador deverá recolher como segurado facultativo.
Leia também o artigo sobre a Aposentadoria rural e a Súmula 14 da TNU: Comprovação do tempo de trabalho.
Aposentadoria por Tempo de Contribuição
O trabalhador rural pode fazer jus a aposentadoria por tempo de contribuição mesmo se tenha trabalhado após 24 de julho de 1991 desde que recolha como segurado facultativo, nos termos do artigo 39, inciso II da Lei 8.213/1991 e artigo 21 da Lei 8.212/1991.
Conforme Súmula 272, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento sobre o recolhimento como facultativo:
O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas[10].
Como dito, se o trabalhador não recolheu como facultativo as contribuições e tenha exercido a atividade rural até 24/06/1991 poderá contabilizar como tempo de contribuição na aposentadoria por tempo de contribuição em atenção a súmula 24 da TNU.
Aposentadoria da pessoa com deficiência
Aqui também se aplica a questão do período rural anterior a 1991 e a necessidade de recolhimento caso o trabalhador ainda continue trabalhando na atividade rural após o advento da lei 8.213/1991.
Nessa situação, o trabalhador poderá contabilizar o tempo rural para fins de verificação do direito à aposentadoria da pessoa com deficiência.
Escrevi um artigo completo sobre a aposentadoria da pessoa com deficiência e você pode ler: Já ouviu falar sobre a aposentadoria da pessoa com deficiência?
Como avaliar as possibilidades previdenciárias?
Sabemos que essa não é uma análise simples, uma vez que está envolta em variáveis diversas que não podem ser contempladas em sua totalidade em um artigo jurídico.
É preciso analisar o contexto específico das condições laborais e o cenário no qual o trabalhador esteve inserido ao longo da trajetória profissional.
Como vimos, o segurado pode fazer jus a diversas regras de aposentadoria desde que sejam observados alguns critérios legais e requisitos para que lhe seja concedido o melhor benefício de aposentadoria.
Deixaremos alguns artigos abordando outros casos relacionados que podem auxiliar na compreensão e identificação, mas reforçamos que a melhor maneira de garantir o acesso a todos os direitos trabalhistas e previdenciários é contar com uma assessoria jurídica especializada na questão para avaliar todas as condições presentes em casa caso.
Como um escritório especializado em Direito Previdenciário, estamos sempre acompanhando todas as novidades na área e atentos as oportunidades que se abrem a cada cliente atendido.
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Ian Varella
É o sócio fundador do escritório Varella Advocacia, especialista na matéria previdenciária e inscrito na OAB-SP com o número 374.459.
Com vasta experiência na área, ele possui especializações em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho, Advocacia Empresarial Previdenciária e Previdência Privada e em Gestão jurídica.
Referências e bibliografia
[1] Artigo 7º da Lei Complementar nº 11/1971 – Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp11.htm. Acesso em 19/12/2022.
[2] Artigo 11, inciso VII da Lei 8.213/1991.
[3] Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019.
[4] STJ. AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 956.558 – SP (2016/0194543-9)
[5] Precedentes Qualificados do STJ. Tema 642. Disponível em https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/tema_inicial=642&cod_tema_final=642. Acesso em 19/12/2022.
[6] Redação alterada para um melhor entendimento do leitor. Artigo 48 da Lei 8.213/1991. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em 20/12/2022.
[7] Precedentes Qualificados do STJ. Tema 1007. Disponível em https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1007&cod_tema_final=1007. Acesso em 19/12/2022.
[8] TRF-3 – ApCiv: 58456244120194039999 SP, Relator: Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, Data de Julgamento: 27/05/2021, 7ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 07/06/2021.
[9] TRF-3 – ApelRemNec: 00055258420184039999 SP, Relator: Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, Data de Julgamento: 01/06/2020, 7ª Turma, Data de Publicação: e – DJF3 Judicial 1 DATA: 03/06/2020
[10] SÚMULA 272, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/09/2002, DJ 19/09/2002, p. 191.